Empreendedorisimo social. Um novo espaço para o homo corporativus transformar a realidade
- Eduardo Cupaiolo

- 18 de mar. de 2023
- 6 min de leitura

"Lembro de um empreendedor social olhar para uma pilha de lixo que estava sendo recolhida para um aterro pela prefeitura e numa batida de olho dizer:
estão levando pelo menos uns duzentos reais pra jogar no aterro.
É isso, dinheiro está lá, só que ele não pula pra mão das pessoas. Precisa um sistema para extraí-lo. É isso que a gente faz".
Nessa edição, Homus Corporativus entrevista Adriano Nunes, autor da frase acima, executivo da área de Sustentabilidade e Inovação em grandes corporações atualmente empreendedor serial. Ele nos fale de empreendedorismo social e do Projeto Housingpact.
Adriano, a Housingpact se distingue por focar o empreendedorismo social? O que é isso mais exatamente?
Normalmente faz sentido a gente se ater ao termo específico. Empreendedorismo social, ou empreendedorismo socioambiental é tudo que envolve uma iniciativa empreendedora, mas que também (e isso é um grande MAS) tem metas de impacto socioambientais. Por isso também é chamado de empreendedorismo de impacto.
O empreendedorismo significa necessariamente que estamos falando de uma iniciativa que não apenas cria riqueza, gera resultados financeiros e tem o potencial de crescimento, mas o faz com recursos que vêm do negócio que está sendo explorado.
O empreendedorismo socioambiental tem, portanto, dois lados inseparáveis:
causar um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente, mas também crescer como negócio, trazer resultado financeiro para seus fundadores e investidores, gerar emprego e renda.
Empreendedorismo é um termo amplo, usual e até antigo, mas normalmente quando falamos no mercado hoje em dia, o empreendedorismo muitas vezes se refere ao universo das startups.É muito gratificante ver que as iniciativas empreendedoras, já surgem com a visão de criar um impacto positivo.
Mas empreendedorismo SOCIAL não devia ser óbvio, as empresas não deveriam ter como objetivo exatamente o bem social? Não usamos exatamente o termo razão SOCIAL quando nos referimos ao nome oficial de uma empresa?
De fato. O termo utilizado é razão social, não razão financeira. Novamente, quando nos atemos à sua semântica está a maneira mais simples e objetiva de entender estes termos.
Atualmente, isso já é um fato, mas está diluído, desestruturado ou simplesmente invisível, mas já está lá. De várias formas.
Quando se fala em Licença Social para Operar, quando o CEO da Black Rock (maior fundo gestor de ativos do mundo) fala de criação de valor para vários stakeholders, são recortes para entender a relação de uma empresa com a sociedade.
Acho que o caminho que faz mais sentido é a empresa entender, dominar, gerir o seu impacto socioambiental como parte do negócio. Com o mesmo cuidado, rigor e método que faz com suas contas.
Essa visão, na minha opinião traria uma gestão mais integral e mais real. E isso não é conversa de ONGueiro, isso não é justiça social. Isso é como as coisas são, essa é a quintessência do capitalismo. Sua última fronteira. No jargão do mercado financeiro, seria “precificar” tudo.
Sabemos que todos os modelos são imperfeitos, mas essa visão é um passo a mais na direção da perfeição
Mais especificamente sobre a Housingpact, como ela surgiu?
O HousingPact surgiu como uma iniciativa da InterCement. Já sabíamos que o ecossistema empreendedor (o mundo das startups) eram um motor excepcional de inovação. E fomos pioneiros em estender o princípio para a tese da empresa de impacto social.
Acreditávamos que seria uma maneira mais eficiente de alocar os recursos para este fim. Até aquele momento, tínhamos basicamente projetos onde pagávamos para um terceiro para implementar e estava feito o impacto. Basicamente um modelo filantrópico estratégico. O problema com isso, por melhor que seja o projeto, é que acaba o dinheiro, acaba o impacto.
No modelo que começamos a experimentar, o dinheiro basicamente servia para desenvolver iniciativas empreendedoras de impacto que, por definição, devem buscar sua sustentabilidade em um modelo econômico de crescimento. Então o dinheiro passa a ser o impulso inicial de uma iniciativa que, depois de um tempo, tem condições de continuar sozinha. Muitas vezes retornando este capital semente. Que vai para outra iniciativa e assim sucessivamente.
Depois de um tempo, percebemos que se atraíssemos outras empresas que acreditassem na mesma tese teríamos mais recursos (em todos os sentidos) e mais cabeças.
Começamos a convidá-las.
Assim nasceu o HousingPact.
Entendo que o HousingPact é um ecossistema, como ele funciona?
Sim, o HousingPact é uma rede multiagente: temos empresas grandes, fundações, institutos, academia e startups. O que ele faz que ninguém mais faz é estruturar projetos que envolvem vários desses agentes e é aterrizado numa geografia específica.
Os vários agentes, na nossa tentativa, têm sinergia. Então, uma startup de reformas sociais têm dificuldade de vender suas reformas e isso limita seu crescimento. Uma startup de microcrédito social tem que avaliar muitas aplicações para seu crédito e isso dificulta e aumenta o risco.
Quando você junta as duas tem o objeto do crédito - a reforma -, conhecido, sabe que será feita com qualidade, que o cliente vai ficar satisfeito. E o dinheiro acessível ajudará a vender mais reformas.
Pronto, lá está um microssistema em que as partes juntas dão mais que a soma das partes.
Coloque isso em uma geografia em que a empresa grande tem influência e o modelo cresce.
Temos vários exemplos, mas dois especificamente já atingiram um nível interessante de maturidade.
Reformas na periferia, além da ausência de moradias, o Brasil tem mais de 11 milhões de moradias inadequadas. E um modelo de circularidade que na prática começa com coleta de resíduos.
Em ambos os casos, as empresas e fundações grandes e as pequenas startups se ajudam, todas ganham e de quebra, a periferia recebe produtos que antes só haviam em outras classes sociais. Renda local é gerada, empregos locais surgem e oportunidades para novos empreendedores se apresentam. Um círculo virtuoso.
Essas oportunidades não são exclusivamente para esses empreendedores mas também grandes empresas, certo? A participação delas retorna apenas valorização da marca ou traz de fato retorno financeiro ao negócio delas?
Parte já comentei, mas há um ponto fundamental no HousingPact que precisa ser explorado, ele explora a dinâmica de mercado para causar um impacto positivo.
Isso, porque o mercado é um ótimo alocador de recursos, no jargão econômico, mas está desajustado. Ótimo, hoje é retorno financeiro. O HousingPact tem a pretensão de ajustar esse ótimo e o sistema passa a buscar uma nova meta: a de melhor retorno.
Por isso, existem oportunidades para todos. Se você é grande e faz direito, você pode ter um resultado financeiro muito satisfatório. Esquece imagem e pensa em resultado financeiro e propósito, razão de existir. Nos dois exemplos que coloquei acima.
Imagine por um momento que o modelo HousingPact viabilizasse que os 11 milhões de residências fossem reformadas. Quanto cimento, aço, argamassa, cerâmica iria nessa reforma. Se eu fosse um executivo da área de materiais de construção, eu ia querer que a minha empresa vendesse pra esse povo todo.
No outro caso: os índices de reciclagem do Brasil são baixíssimos no geral. Empresas da área de plástico e outras que dependem ou têm planos estratégicos para aumentar a economia circular se beneficiariam disso.
Eu lembro de estar passeando numa favela com um empreendedor dessa área. Ele olhou para uma pilha de lixo que estava sendo recolhida para um aterro pela prefeitura e disse: bati o olho e vi que estão levando pelo menos uns duzentos reais pra jogar no aterro.
O dinheiro está lá, só que ele não pula pra mão das pessoas. Precisa um sistema para extraí-lo. É isso que a gente faz.
Os exemplos são inúmeros. Bancos e seguradoras, por exemplo. Querem mais clientes, mais segurados, pessoas que nunca tiveram conta em banco, nunca tiveram um seguro? Essa pessoa entra no sistema e passa a ter recursos e serviços e segurança e oportunidades que nunca teve e os bancos e seguradoras tem uma fatia de clientes que nunca pensou ter.
O empreendedor que tem um ecoponto de coleta ou um brechó de material de construção não tinha uma conta nem seguro. Agora tem.
Falando de retorno financeiro, o que seria o S-ROI? Como ele quantifica o retorno do investimento em empreendimentos sociais?
O S-ROI é uma metodologia de avaliação de impacto social. Medir impacto é o cálice sagrado do investimento social privado e público.
Existem várias metodologias prontas e em desenvolvimento, mas na nossa análise, o S-ROI é a mais robusta, a que faz mais sentido e a mais interessante entre aplicabilidade e consistência.
Ela te permite ter como resultado, quantos reais retornam socialmente para cada real investido e essa informação, dependendo do seu portfólio de projetos, da sua natureza, permite inclusive a comparação de projetos, embora isso tenha que ser feito com bastante critério, mas é o que acredito que seja o mais prático e objetivo que esteja disponível.
No HousingPact fomos buscar a certificação diretamente no instituto no Reino Unido que desenvolveu o S-ROI e desde então somos parceiros.
Finalizando, o que as empresas sem essa sensibilidade social podem apreender com essa nova geração de empreendedores”?
Não apenas estas sem sensibilidade, mas aquelas que têm a sensibilidade, mas não dominam sua prática. Elas deveriam aprender que, no futuro, ou você conhece o impacto que causa ou você é refém dele, sem gestão, sem atuação.
Acredito que no futuro será essencial saber qual o valor da sua empresa para a sociedade e qual são os elementos de construção desse valor para que a empresa possa atuar sobre isso.
No futuro, apenas empresas que são “ativos” da sociedade sobreviverão. Os “passivos” serão expurgados naturalmente como aconteceu no passado com as empresas que não tinham qualidade, por exemplo.
Com o domínio sobre essa dinâmica, a empresa poderá cada vez mais revelar e realçar seu propósito, engajando colaboradores, clientes e público em geral, poderá desenvolver produtos que já nasçam com seu impacto conhecido ou até que tenham metas nesse sentido.
Esse é o verdadeiro poder do capitalismo. E não sou eu dizendo isso. Quem falou isso usando exatamente esta expressão foi Larry Fink, CEO da Black Rock que tem 8,5 trilhões de dólares em ativos sob gestão.
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